Temos observado atentamente tudo o que fazemos no cotidiano.
Atentamente, mas talvez com a atenção dirigida a pouca distância. Vemos,
mas vemos pouco. Pouco e perto.
Falta água em São Paulo.
Essa crise é subcontinental, começa na mata atlântica, Serra do Mar e
Serra da Mantiqueira, margeia o divisor de águas a leste, para as bacias
litorâneas e a oeste, para a bacia do São Francisco. Daí a crise sobe e
continua seu curso, sem fixar a umidade evaporada pelo mar, sem
transformar em nuvens e em chuva essa umidade durante os meses cada vez
mais longos e secos de estiagem invernal. Ao entrar na bacia amazônica,
lá encontra floresta e lá se transforma em chuvas, as estiagens quando
acontecem, não são severas. A crise ganha certo descanso e a atmosfera
se recarrega de água, água consdenada em nuvens. Chove.
Ao seguir até o limiar para oeste, encontra a barreira bastante
intransponível da Cordilheira dos Andes e daí, empurrada pela diferença
de pressão, faz seu caminho de retorno para o sul, cruzando a então
região de Floresta Amazônica antigamente conhecida como "Mato Grosso",
mas que hoje está configurada como um deserto de monoculturas pouco
produtivas, e estrategicamente muito ruins do ponto de vista
geopolítico. A umidade concentrada pela evaporação oceânica e que se
somou à evapotranspiração amazônica, agora perde força. As nuvens se
dissipam, a água que está na atmosfera deixa de ser condensada, deixa de
ser nuvem, e volta ao seu estado anterior, o estado de vapor. Diminui o
albedo, aumenta o efeito estufa. Essas massas gigantescas de água
invisível continuam seu caminho, empurradas pelos altos ventos do norte e
penetram o Brasil pelo oeste, o oeste das regiões sudeste e sul do
país. E aí não acham floresta. A Mata Atlântica que existia foi
removida, tomaram seu lugar as serrarias, então as lavouras de café,
depois milho e soja, depois gado, por fim pinus e eucaliptos. A água do
céu não cai. Ela permanece no céu, aumenta a estufa. Aumenta o calor nas
cidades, a diferença de temperatura entre os dias mais frios e os mais
quentes. Concentra as chuvas e as estiagens. Torna a vida de todos mais
difícil nos pequenos e grandes centros urbanos.
Dali segue para o leste. A água quer completar seu caminho. A crise quer
concluir seu curso. Dali encontra as capitais, mais próximas do
litoral, ironicamente margeadas pelo muito pouco que restou da Floresta
Tropical Atlântica. Mas não se formam chuvas. As frentes frias que vêm
do Sul, da Argentina e Uruguai, não atravessam o Rio Grande do Sul, não
atravessam. A chuva fica lá, porque não há caminho para ela mais ao
norte. O círculo está fechado e a água não chega a São Paulo. São Paulo
está sem água, dizem.
Não. Não dizem.
São Paulo está sem água.
A razão de São Paulo estar sem água é simples, fácil de explicar. A água
precisa ser nuvem para chover. Sem nuvem, a água fica no céu, não
chove. Está lá, mas é invisível e não vira chuva. Não abastece São
Paulo. E a maior cidade do Brasil não pode fazer nada a respeito. Nada,
dizem.
Não, não dizem. O que São Paulo faz retira sua água. São Paulo sustenta
seu consumo, mas não sustenta sua produção. São Paulo não produz água,
nem produz petróleo, nem ar. Nem ventos nem sol e nem terras saudáveis.
São Paulo não produz vida, ela a retira, remove, consome, extirpa. São
Paulo não é diferente das outras cidades, exceto pelo tamanho. É maior.
Maior e mais rica. Mas dinheiro não compra chuva, não compra nuvem, e
não compra água encanada para 30 milhões de pessoas se não chover. Nem
dinheiro, nem poder.
O círculo se fecha. A água não choveu-se sobre São Paulo. É uma crise, e
ela começa e termina lá, na maior capital da América do Sul. E todos
sabem que parques e jardins não mudam o clima. Continentes mudam. Todos
sabem que a escala do céu é diferente da escala de um quintal. Fazer uma
horta no quintal não muda o clima. O que muda o clima é saber de onde
vem a água. Saber de onde vem o que se come. Carne não produz água. Água
produz carne. Soja e Milho não produzem água. Água produz. Commodities
não produzem água. Água produz. Sem água não há poder, não há economia,
não há política, nem carros nem passeios. Sem água não tem festa e nem
música. São Paulo não produz água porque não sabe de onde ela vem.
A água vem das florestas que São Paulo transformou em deserto. 30
milhões de pessoas precisam plantar florestas de verdade. Árvores de
todas as espécies. 100 árvores por dia no Brasil por 1 ano para São
Paulo voltar a ter água. São Paulo não se basta. É um território
dependente, sustentado pelos outros, incapaz de sobreviver sozinho. São
Paulo precisa de ajuda.
por
Daniel Jorge Habib
http://plantarflorestas.blogspot.com.br/2014/09/temos-observado-atentamente-tudo-o-que.html
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